O Estado da Nação

sábado, dezembro 01, 2007

Vivem há mais de 25 anos porta com porta com os meus pais. Óptimos vizinhos, excelentes pais da filha única, a qual vimos crescer desde tenra idade. Sacrificaram-se para que pudesse ter um curso superior e chegar mais longe do que eles. Pessoas honestas, trabalhadoras, sempre prontas a ajudar em tudo que seja necessário e, acima de tudo, compenetradas na sua vida e pouco dadas a mexericos. Ela, saía de casa todos os dias pelas 7,30 h da manhã para entrar na fábrica de confecções às 8 h, voltando já tarde. Ele, trabalhando por turnos, muitas das vezes regressava a casa pouco depois de ela ter saído. Está desempregado há já 2 anos. Ela ficou sem trabalho o mês passado. Estão ambos na casa dos 50 e poucos. Atarantados pela incerteza do dia seguinte, não assimilaram ainda como tamanha injustiça lhes coube em sorte. Ela não consegue esconder os olhos rasos de água nem o terror interno que lhe preenche o olhar. Nunca se viu em tal situação. Sabe que dificilmente conseguirá um novo emprego. Ele, porque é homem, e aos homens não é permitido chorar quando tudo desaba à frente deles, desvia os olhos para o infinito e morde o filtro do cigarro. Dói-me não poder fazer nada por eles, a não ser rever-me no seu desespero. Perder o trabalho, o sustento de uma família, é perder a dignidade. É perder as rédeas da vida. É depender de estranhos. E desenganem-se aqueles que pensam isso apenas acontece às pessoas com baixos níveis de instrução. Tenho amigos com cursos superiores, mestrados, doutoramentos que trabalham em empregos precários cujas remunerações pouco maiores são que o ordenado mínimo nacional e que preferem isso a sentir que perderam a dignidade. Ou aqueles que nem isso conseguem, porque “possuem qualificações a mais para o lugar” (???). Ou, pior ainda, muito frequente nesta sociedade actual de “iluminados”, aqueles que já não têm 35 anos e por isso “passaram o prazo de validade” como os iogurtes ou outro mantimento perecível. Imensos empresários de pequenas empresas, nos quais eu me incluo, que caminham permanentemente na estreita linha entre a sobrevivência do negócio e o abismo da falência, obrigando-os a medidas autofágicas como última solução de recurso, mas que mesmo assim não dão garantias de rigorosamente nada. Por isso, só me dá vontade de rir de raiva quando o governo nos quer fazer crer que estamos a sair da crise. Dá-me vontade de rir de raiva, quando alguém com responsabilidades governativas afirma que o sector empresarial do norte tem de reagir e não esperar que as coisas lhes caiam no colo, como se alguma vez o empresário nortenho não soubesse que apenas pode contar com ele para o que der e vier, porque a capital e o poder governativo deste país sempre sofreram de miopia extrema e não conseguem ver mais além do que o seu próprio umbigo. Dá-me vontade de rir de raiva escutar isso de alguém que vive entre os gabinetes do poder político muitas das vezes sem qualquer tipo de experiência empresarial ou de trabalho efectivo em empresas reais com problemas reais. Dá-me vontade de rir de raiva, quando por um simples movimento de secretaria se transforma alguém com a 4ª classe num adulto com o 12º ano, sem que para isso tenha de aprender algo de relevante que lhe transmita reais conhecimentos a esse nível, apenas porque ao governo interessa camuflar as estatísticas que colocam este país com um índice de iliteracia elevadíssimo e com um dos mais baixos níveis de escolaridade, esquecendo que isso só pode ser combatido com reais conhecimentos e não com emissão de diplomas. Dá-me vontade de rir de raiva quando ouço pretensos “yuppies” (o que eu apelido de “yuppies” à portuguesa) falar em downsizing e key account e marketing development e outras pérolas do género (quem puder, leia a coluna de opinião do jornalista Joel Neto na revista NS da semana passada) como se as palavras ditas em inglês americanizado lhes conferisse um estatuto acima dos “comuns e reles mortais”. Dá-me vontade rir de raiva quando alguém tem a ideia peregrina de escrever que o salário médio dos portugueses ronda os 840,00 € (a Yasmeen dedica um post a este tema, o qual aconselho vivamente a ler). Neste caso dá vontade de perguntar se há outro Portugal que eu não conheço, mas para o qual pretendo mudar-me já amanhã (é só o tempinho de fazer as malinhas e partir...), ou se a pessoa que escreveu esta pérola (supostamente) jornalística conhece o país em que supostamente habita, onde há locais que não existe electricidade, nem água canalizada, nem rede de esgotos, nem estradas dignas desse nome, onde crianças têm de andar horas de camioneta para continuar a estudar, onde mães põem em risco a sua vida e a dos seus filhos dando à luz em ambulâncias estacionadas na berma da estrada, onde pessoas com doenças em fase terminal são obrigadas a trabalhar porque o Estado não lhes reconhece a dignidade de morrerem em paz, onde as pessoas caminham na rua de semblantes carregados porque ninguém hoje em dia tem motivos para sorrir, onde o salário real da maioria anda muitíssimo abaixo dos tais € 840,00! Muito honestamente, dói-me ser portuguesa neste Portugal tão tacanho!

5 Comentários:

João Lisboa disse...

Lamento por esse casal. Lamento os dias negros que tem pela frente tal como mais meio milhão de desempregados deste País.
Não me queixo deste ou de outro qualquer Governo.
À tempos recebi por mail um dos últimos artigos de Eduardo Prado Coelho, que de forma notável, fazia a radiografia deste e de outros Governos Mediocres. Explicava direitinho todas as patifarias que esses senhores tem feito. Explicava ainda de forma melhor, que esse era o Governo de Portugal. Democraticamente eleito POR NÒS! COM MAIORIA!
No Voto não me abstenho. VOTO EM BRANCO. Prefiro dizer-lhes: COM VOCÊS NAO QUERO NADA!
BJs

Yashmeen disse...

É tão triste que nem tem palavras...

Anónimo disse...

Bem, só posso dizer que sinto mesmo muito por vocês estarem assim ai, mas aqui passarem uma imagem tão diferente, dando festas nas embaixadas e mudando os consulados para prédios luxuosos; fazendo nos crer que sim há outro país chamado Portugal eu também já diria isso a si outro dia.

Vera Isabel disse...

Óptimo post, como sempre...!

(como correu a tal expo?)

Anónimo disse...

Amém!

Concordamos plenamente a maior parte dos seres humanos
sobre o planeta...e nunca ninguém faz nada.

Força!