Sempre...

domingo, março 30, 2008

E volto a ti. Volto sempre a ti. Como um casaco já gasto, puído pelo tempo, onde frequentemente abandono trocos esquecidos nos bolsos já alargados pelo uso, mas que teimo em não deitar fora, voltando a vesti-lo, uma vez e outra e outra e de cada vez juro ser a última e que é desta que vai mesmo para o lixo porque o corte já não me assenta já não se usa, mas com o qual me sinto inusitadamente confortável e me aconchega melhor que outros mais actuais, mesmo sabendo já não possuir a magia da peça de roupa por estrear, virginalmente embrulhada no murmúrio branco delicado do finíssimo papel vegetal ainda ostentando ao peito as várias etiquetas como medalhas de mérito, acabadinha de sair da loja, vaidosamente envolta no glamour da novidade. Porque destila incontornáveis lembranças ao simples cheiro da alfazema, que se desprende do gasto entrelaçado em teia e trama de tecido, acumulado ao longo de silenciosas temporadas aguardando estoicamente dentro do guarda-fatos a esperada devolução à liberdade do seu prolongado cativeiro, como em criança o almiscarado odor a terra quente, molhada pela repentina chuva tempestuosa de verão me extasiava os sentidos. E porque moldou-se ao feitio do meu corpo. Da minha essência. O disforme tecido bamboleado não é mais do que a sua perfeita modulação às minhas inconfessas subconscientes imperfeições. Por isso volto a ti. Voltarei sempre a ti, nesta perversa simbiose de equilíbrio instável entre o deve e o haver libido-afectivo que buscamos pacificar um no outro, tão despudoradamente irracional. Volto a ti, ainda que, por vezes, apenas em memórias que se acumulam na garganta em forma dum doloroso soluço escondido, incapazes de diluir-se lentamente no insidioso passar das horas, dos dias, dos meses. Volto a ti, ainda que em sussurro segredo apenas confessado na profunda volatilidade dum sonho. Apesar da insensatez, volto a ti. Mesmo sabendo-te imperfeito. Mesmo sabendo-te viciadamente imperfeito. Porque sabendo-me perversamente perfeita para a tua imperfeição. Volto sempre a ti. Voltarei sempre a ti. Sempre…

3 Comentários:

Vera Isabel disse...

Muito bem escrito, m'nha tarte doce...
..gostei imenso.
^^

Anónimo disse...

Porque o gosto nos deixa emocionalmente dependentes...

Anónimo disse...

Este texto dá que pensar...
Beijinhos