Tumbling Down the Rabbit Hole

domingo, março 14, 2010

Hoje, passados 40 anos, tudo parece muito pequeno. Minúsculo. A igreja parece ter encolhido. Até mesmo a imagem de S. Sebastião cravejado de setas, da qual eu não conseguia despegar os olhitos incrédulos, enquanto me levavas pela mão, subindo o silêncio da nave central denteada de fileiras de bancos corridos, até ao altar de Nª. Srª da Conceição, onde decoravas sempre a jarra com flores acabadas de comprar no mercado. Na minha cabecita de criança, a lenda do santo mártir gotejando sangue pelas feridas em carne viva, baralhava num fascínio oscilante entre a admiração, a pena e o medo.

Hoje, passados sete dias da tua morte, dou-me conta que cresci mais do que devia, porque tudo à minha volta parece uma réplica do Portugal dos Pequeninos. Até os teus sobrinhos mais velhos, nesse tempo já adultos feitos, vistos do alto da minha meia-lequice de menina pareciam-me gigantes desengonçados de translúcidos olhos azuis turquesa. Hoje, apesar do mesmo ar abrutalhado e de manterem os traços das feições para além da idade e da tristeza contida no mesmo olhar azul translucido, parecem ter mirrado, à força duma qualquer poção mágica.

Eu já te tinha perdido para essa doença que apaga memórias, qual disco em formatação, mas fingia que a qualquer momento irias recuperar dessa apática letargia e mandarias chamar-me para recordarmos as duas, o tempo em que foste minha mãe. Mas nunca recuperaste. E agora, ninguém me sabe dizer quais das minhas memórias de infância realmente aconteceram e quais as que não passam de meras fantasias empoladas pela imaginação de criança. É como se ao perderes a memória eu tivesse perdido a minha infância, mas só agora que faleceste é que me dou conta disso. Agora, que te perdi para sempre e levaste contigo a melhor parte de mim.

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