I'm So Sorry...

domingo, agosto 10, 2008

Fixo os seus tímidos olhos travessos, tão escuros como dois imensos buracos negros, quase infantis na inocência do brilho emocionado que irradiam. Sensibiliza-me que se comova por mim, espanta-me até, por não ter previsto que o pudesse tocar dessa forma tão avassaladora, tão despojada. Eu, que nunca me achei capaz de nada de muito relevante, muito menos ser alma inspiradora de tão grande sentimento, incapaz de ficar contido em exíguo espaço corporal e que transborda o seu recipiente humano numa torrente de reveladoras lágrimas silenciosas. Culpabilizo-me por ter subestimado o seu enorme afecto. Culpabilizo-me por não corresponder, nem sequer no mais levíssimo grau de emoção. Culpabilizo-me de o ver assim exposto numa nudez sentimental embaraçosa. Quero dizer-lhe que esconda a alma, resguarde-a de mim, feche-a em local seguro e inviolável, porque não sou de confiança, não sei ter à minha guarda tamanho tesouro sem lhe causar danos irreparáveis. Sou a maior contra-indicação para o seu estado. O pior dos efeitos secundários de consequências imprevisíveis. Mas não sou capaz. Não me iria acreditar. Não me vê como sou. Como estou agora, sem nada de bom para lhe oferecer. Apesar de me sensibilizar toda essa comoção não me toca. Não me prende. Para lá da culpa, não me diz nada. Uma gélida assintomática culpa. Reconheço que ele merece muito mais do que esta glacial sensibilidade racional. Pelo menos, uma outra torrente incontida, em tudo idêntica à sua. Mas nada. Nem o mais pequeno sopro de vida deste lado. Lamento tanto, mas não sinto nada.

The Smiths
I'm So Sorry

3 Comentários:

Vera Isabel disse...

Uma leitura linda. Este blog é como um dedo indicador que nos força a levantar o queixo e ler, com atenção, cada palavrinha de cada um dos posts.

(Isto faz sentido? É a sensação que tenho.)

Lilith disse...

Obrigada Arya por seres uma leitora assídua dos meus posts. Sabes bem que também sou dos teus. Creio de formas diferentes questionamos assuntos parecidos.

O teu comentário, para mim, faz muito sentido!

Lilith

Anónimo disse...

Isto é como colocar um dedo na ferida.

Um texto muito poderoso.

Parabéns pela conquista literária!